11.7.12

Falls.

“Mas eu não ando com loucos”, observou Alice.
“Oh, você não tem como evitar”, disse o Gato,
“somos todos loucos por aqui. Eu sou louco, você é louca”.
“Como você sabe que eu sou louca?”, disse Alice.
“Você deve ser”, disse o Gato, “senão não teria vindo para cá”. 

GABRIEL A. PEREIRA apresenta
O CAVALEIRO DAS TREVAS

SPOILER ALERT! SPOILER ALERT!
 
Em "O Cavaleiro das Trevas", Batman (Christian Bale), Jim Gordon (Gary Oldman) e Harvey Dent (Aaron Eckhart) se unem para um golpe coletivo na máfia, porém esta, em desespero, conta com a ajuda do Príncipe Palhaço do Crime; o Coringa (Heath Ledger). Desviando-se do plano original, o Coringa causa uma onda de caos e pânico em Gotham City e joga o próprio Cavaleiro das Trevas num duelo com a sua racionalidade e seu código moral, podendo afetar a todos ao redor do guardião de Gotham. 

Como já relatado na crítica de "Batman Begins", o diretor Christopher Nolan dá valor e trabalha muito bem com temáticas, e na franquia do Cavaleiro das Trevas, a chave para exercer estes temas é geralmente encontrada em seus vilões. O tema em questão é o caos, e como já sabemos, o Coringa é um agente do caos. Uma vez que o caos consiste na distorção da ordem, na bagunça e no desorganizado, temos alguns fatores incomuns retratados para uma história do Batman. Por exemplo, Bruce Wayne está morando numa cobertura luxuosa em vez da Mansão Wayne (destruída no primeiro filme), e em consequência disto, a habitual Batcaverna não é a base de operações usada pelo herói no filme, seu interesse romântico é ciente de sua identidade secreta (apesar de que ultimamente isso vem sido bastante comum nos filmes de super-heróis), Batman atua brevemente fora de Gotham City, etc. 

Enquanto "Batman Begins" propagava o medo através da teatralidade e da ilusão, uma das formas mais usadas de explorar o caos de "O Cavaleiro das Trevas" é o fogo. O morcego de chamas que abre o filme, os vários personagens que morrem por explosões, a explosão do hospital e do departamento policial, o Coringa queimando seu dinheiro, as frases-chave "Some men just want to watch the world burn" e "Everything burns", a ameaça do Coringa em explodir as barcas, Harvey Dent tendo metade de seu rosto queimado, etc.  

Assim como em Begins, a parte técnica do filme também tem suas consequências pelo tema. As cenas de ação não são mais confusas - não há mais a necessidade de mostrar a perspectiva do inimigo sobre o Batman - e aparecem com mais frequência também. Perseguições e lutas muito bem dirigidas estão presentes, ainda que neste filme Nolan não tenha encontrado a pura essência de uma cena de luta empolgante. Intercalações de acontecimentos são muito mais usadas, e é perceptível que Nolan aplicou muito bem a filmagem giratória, em que a câmera rodeia os personagens em questão - destaque para a cena em que o Coringa conta a origem de suas cicatrizes para Rachel Dawes, em que a câmera gira numa velocidade constante ao redor dos dois personagens e para no momento certo, friamente calculado. 

A trilha sonora de Hans Zimmer e James Newton Howard volta muito mais intensa, seguindo o padrão mostrado em "Batman Begins", mas com novos arranjos e novas composições. O famoso tema do Coringa, Why So Serious?, reflete o que falei sobre os detalhes fora da ordem normal no filme. Completamente diferente de qualquer composição feita para a trilogia, a música do vilão consegue refletir a insanidade do mesmo, o caos causado por ele através do uso não-usual de instrumentos comuns, e até mesmo o senso de terrorismo único do Palhaço com os arranjos da percussão que lembram marcações de relógio aceleradas e batidas de coração.  A mixagem de som é, basicamente, perfeita (não é à toa que o filme levou o Oscar de melhor mixagem de som) e a fotografia mais azulada. O laranja também não deixa de fazer uma forte aparição, já que tratamos com bastante fogo neste longa.
 
Os personagens são excelentemente desenvolvidos, e os que já estavam presentes no longa anterior aparecem mais maduros e experientes. Maggie Gyllenhaal, substituindo Katie Holmes no papel de Rachel, faz um dos melhores trabalhos que eu já vi evoluindo uma personagem construída antes por outra atriz - e define Rachel Dawes muito melhor do que Katie havia feito, e apesar do exército de atores competentes e bons personagens, quem rouba a cena mesmo é Aaron Eckhart com seu Harvey Dent. 

Sem precisar que o roteiro de Jonathan Nolan faça muitas referências à bipolaridade de Harvey, o ator deixa bastante claro que existe uma linha tênue entre o senso de justiça do promotor e a vontade de fazê-la com as próprias mãos - tanto que Dent é o maior defensor de Batman, enquanto todos querem prendê-lo. Quando Harvey se transforma no vilão Duas-Caras, a atuação de Eckhart se torna ainda mais surpreendente, sendo ele tão bom quanto o Coringa de Heath Ledger. 

O personagem mais afetado com toda a reviravolta caótica, depois de Dent, certamente é o Batman. Neste filme, Bruce Wayne mostra-se em constante evolução e encontra o verdadeiro propósito do Cruzado de Capa, o verdadeiro significado do símbolo que criou, e Christian Bale interpreta este herói em transtorno como nenhum outro ator poderia fazer. Aceitando o que ele é, vemos um Batman totalmente mudado pelos fatos ocorridos ao final da fita, mas ainda não completo - é claro que, Nolan deixou a última peça do quebra-cabeça do Cavaleiro das Trevas para o último filme da trilogia. 

NÃO, esse filme não deveria se chamar "Coringa" e NÃO, Heath Ledger não foi o melhor Coringa já visto nos cinemas. Com certeza o Coringa de Ledger é bastante fiel às versões mais sombrias do personagem, que podem ser vistas em "Asilo Arkham", de Grant Morrison e "Coringa", de Brian Azzarello, mas não é o Coringa propriamente dito, portanto não é superior (no quesito de fidelidade) ao interpretado por Jack Nicholson em 1989. É um personagem melhor desenvolvido e mais adequado para o cinema, sim, mas não é O Coringa. Só queria deixar isso claro antes de me aprofundar melhor no assunto. 

O Coringa é, acima de tudo, um sujeito repugnante. Completamente insano, sádico e masoquista, mas ainda sim muito inteligente. O mais interessante nesse personagem é sua motivação para agir, ele parece um cara que simplesmente sai explodindo as coisas por diversão, e sim, podemos ver que ele se diverte com o caos que cria, mas ele tem um objetivo: corromper os heróis da cidade, os bonzinhos. Com uma mente meticulosa, o Palhaço consegue jogar todos uns contra os outros durante o filme inteiro, criando conflitos extremamente bem detalhados pelo roteiro, principalmente entre o trio protagonista. 

O Coringa se destaca justamente por não querer nada lógico, justamente por não ligar pro dinheiro como um ladrão ordinário, ele só quer tirar as coisas da ordem natural, ver o circo pegar fogo, e o mistério ao redor do vilão - a falta de uma nome verdadeiro ou qualquer tipo de histórico - o torna ainda mais interessante. Neste quesito, o Coringa de Ledger é mais fiel que o de Nicholson; nos quadrinhos, a identidade do Coringa é desconhecida e sua história é contada em várias versões diferentes uma das outras, exatamente como o personagem de Ledger se comporta ao mencionar a origem de suas cicatrizes. 

A química entre Batman e Coringa é inigualável, é aquela coisa única que nenhum herói e vilão consegue fazer nem mesmo parecido. No final do longa, você tem a sensação de que o protagonista e o antagonista se conhecem há anos, e se encaixam perfeitamente um no outro exatamente pelas suas "regras" pessoais. Batman não mata, logo ele nunca mataria o Coringa, e este, por sua vez, nunca mataria o Batman pois o acha divertido. Assim, a relação "bem vs. mal" existente entre os dois torna-se um ciclo vicioso, uma batalha eterna. E é por isso que nenhuma outra relação entre herói e vilão pode se comparar com a de Batman e Coringa. 

"O Cavaleiro das Trevas" (The Dark Knight) é, sem sombra de dúvidas, a melhor adaptação de quadrinhos já feita, reunindo os melhores elementos de décadas de "Batman vs. Coringa" e colocando em um filme, sendo mais que notável a forte inspiração na clássica "A Piada Mortal". A fita atinge a excelência em todos os seus pontos e ambições, superando seu antecessor e consolidando-se como um dos melhores filmes já feitos na história do cinema - e certamente, o melhor filme de 2008. "Quem quer ser um Milionário?"? Não, Academia, não. 

Nota: 10,0

2 comentários:

  1. O Cavaleiro das Trevas redefiniu conceitos. Excelente crítica, e concordo muito com o ponto de que Aaron Eckhart recebe muito menos crédito pela sua atuação do que deveria. Ansiedade pro TDKR só aumentando aqui...

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